Filipe Maia
6 min readMar 28, 2022

corinthians

existe um certo masoquismo em torcer pra um time de futebol no brasil.

assim como qualquer empresa de administração duvidosa, os clubes brasileiros misturam a paixão com a razão, o financeiro com o pessoal e aí fica uma salada de períodos em que você consegue ser feliz ao torcer por aquela algazarra e outros em que, mais corriqueiramente, são duras de sofrimentos inconsoláveis.

eu fui escolher o time que tem em um de seus cantos de torcida, a palavra “sofredor”. na verdade eu não escolhi ser corinthiano, o corinthians me escolheu na noite de 14 de janeiro de 2000, numa televisão da praia grande, na casa de um senhor bastante são paulino.

o título do mundial do corinthians me fez entender que o futebol podia ser maravilhoso, mas não pelo título em si, mas que a festa em torno dos seus feitos era algo tão absurdamente grande que só a volta olímpica não contemplava. a praia grande ficava distante do maracanã, já que, apesar de areia e mar, um ficava em são paulo, outro no rio.

esse time do corinthians com rincon, edilson, dida e luizão era de fato encantador, mas meus gostos não eram lá muito futebolísticos na época. tendo um tio fanático pelo tricolor paulista e um pai palmeirense por opção, haviam dúvidas para qual time eu realmente ia torcer. eu gostava de futebol, achava o esporte interessante, mas sempre fui mais de jogar do que de assistir, afinal, puta que pariu, eu só tinha 8 anos de idade.

eu não nasci com a internet no bolso, a gente tinha que ter um certo esforço para conhecer as coisas, esperar a hora dos jornais esportivos para conhecer a escalação, ler o jornal do pai, comprar álbums de figurinha, tudo mais analógico. então não era como um desses garotos que hoje sabem a escalação do borussia dortmund de cabeça por conta de seus videogames do ano que vem, não. no máximo sabia os jogadores mais craques dos anos 90 e, como todo moleque, pirava na seleção brasileira que no começo do século XXI era absurda com ronaldo, rivaldo e cia.

então eu tinha que aguentar meu pai e meu tio-avô falando de paulo nunes e de como a parmalat trouxe dinheiro ao clube, ou meu tio com seu tricolor em alta depois dos maravilhosos anos de telê santana, mas pouco se ouvia do corinthians em casa. dizem que meu avô por parte de mãe era um corinthiano roxo, daqueles de quase infartar em jogos de meio de tabela contra times do interior, mas infelizmente não cheguei a conhecê-lo. então tudo que eu tinha para ter certo apego ao corinthians eram alguns amigos na escola ou a tv ligada na sala.

mas esse mundial de 2000 foi diferente. polêmico, mesmo com o reconhecimento da fifa, teve uma final brasileira entre corinthians e vasco, que deixaram para trás real madrid e manchester united (entre outros times) para disputarem o primeiro título mundial do século XXI. o corinthians jogava bonito, fazia golaços, colocava por entre as pernas e metia caixa, enquanto o vasco de edmundo era veloz e goleador.

mas ali naquela sala de são paulinos, não estávamos torcendo a favor do clube paulista. bom, pelo menos eu não sabia que não estávamos, mas com só tricolores na sala, a secagem predominou. confesso que não lembro exatamente o que eu senti naquele pré-título, mas com certeza com a família anti-corinthiana, empatia não era.

nos pênaltis, muito provavelmente 95% dos televisores do país estavam ligados naquela disputa, seja pra secar ou pra torcer. só sei que deu corinthians, em um 4 a 3 emocionante, que levou os são paulinos soltarem seus leves urros de descontentamento que não puderam ser ouvidos devido à chuva de fogos de artifício que reinava nos céus da praia paulistana.

parecia itaquera, mesmo eu não tendo a dimensão do que isso significava na época. era maior que fim de ano, era maior que título da seleção brasileira, era maior que carnaval. era o corinthians. e pela primeira vez, entendi que ser corinthiano era lindo e aquilo era maior do que qualquer coisa que eu tinha visto na minha vida.

mas os anos se passaram e essa beleza de futebol corinthiano foi mais presente nos últimos anos em que estou contando essa história de fanatismo. voltando ao início do texto, é masoquismo puro torcer para um time em um país onde a mistura da paixão e da emoção com a canalhice e roubalheira são vistas em todos os âmbitos, desde a administração de um bar na quebrada, até no maior governo (que em alguns momentos até nos foi plenamente aliado, diga-se de passagem)

claro, nos anos 2000 tivemos carlitos tevez, a libertadores (finalmente), o mundial, alguns brasileiros e copas do brasil na conta, mas não se engane, ser corinthiano não é só torcer para esses títulos e carregar amigos bêbados e felizes quando seu time ganha um campeonato. ser corinthiano é aguentar técnicos retranqueiros achando que a defesa é a parte mais importante de um jogo e que 1x0 é goleada, isso quando tem esse 1 gol. ser corinthiano é amargar empates sem graça com times de histórico bem menor que o seu em noites em que o último metrô não espera sua volta do estádio. ser corinthiano é passar raiva porque te disseram que você é corinthiano, maloqueiro e sofredor, GRAÇAS A DEUS!

maldito adjetivo que nos colocaram, o de sofredor. eu aceito e até me identifico com a parte do maloqueiro (ok, talvez a minha cara leite com pêra não te faça ver o maloqueiro que habita em mim), mas o sofredor sempre foi o tendão de aquiles que me fazia ter raiva de gostar tanto assim do corinthians.

quantos jogos já não foram perdidos por conta da preguiça de jogadores que ganham 50x mais que nós e, mesmo assim, lá estávamos de novo no próximo jogo apoiando e cantando os 90 minutos? é incontável o número de descontentamentos que passamos nas arquibancadas rugindo para laterais, xingando até a quarta geração filhos nas decisões dos juízes em tardes que largamos o que tínhamos que fazer para estarmos ali de braços dados com pessoas que nunca vimos em prol de um time que dificilmente sabia da nossa existência.

se ser torcedor é ser masoquista, ser corinthiano é ir além. ser corinthiano de verdade é estranhar ver o time jogando um futebol bonito. corinthians ganhando de goleada? é festa pro mês inteiro, afinal não é sempre. talvez a graça seja passar raiva. talvez a graça seja mentir pra si mesmo que “dessa vez vai ser diferente”.

muita gente pensa que a beleza do futebol está nos jogadores e em suas grandes jogadas plásticas nos compilados de vídeos na internet. mas a real beleza está no torcedor. quer saber como? independente de ter ou não uma jogada plástica, o torcedor vai vibrar e vai apoiar, vai cantar e vai xingar, vai comprar a camisa e o ingresso e, mesmo se tudo der muito errado, o torcedor ainda vai dizer que nunca vai te abandonar porque te ama. essa é a verdadeira beleza do futebol, é doentia e incompreensível por quem não a pratica, de fato, mas é tão viciante que nos faz ir além das adversidades, sejam elas quais forem.

eu gosto de futebol e por isso gosto do corinthians? não. eu gosto do corinthians e por isso gosto de futebol. detesto quando o narrador vem com a frase “fulano é o brasil na libertadores” quando um time brasileiro joga contra um time de fora do país. não, amigo, fulano é só fulano na libertadores. eu não torço pra ninguém que não seja o corinthians. pode ser seleção brasileira e corinthians e eu vou estar de preto e branco. eu não sou fanático por futebol, eu sou fanático pelo corinthians.