feiura

Filipe Maia
4 min readMar 19, 2023

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é impressionante o quanto eu fico mais feio a cada dia que passa, é incrível. não tem pra onde correr, o impacto do tempo é inevitável e a feiura só aumenta. não falo isso para receber elogios baratos ou para me inferiorizar diante de um quadro de baixa auto estima, nada disso. é a mais pura realidade, é um fator categórico onde me encontro devastado pelas marcas no rosto e pelas nuances físicas que a vida, inevitavelmente, traz à nossa carne.

é confuso pensar que nada anda para trás no mar do tempo. as marés são eternas pra quem busca remar pra frente, mas para trás não existe mais o sabor do sal e o frio da água gelada. existe no máximo olhar para trás, mas nunca reviver e nunca refazer o que já foi feito. dá pra consertar, fazer novamente, mas ter o gosto do primeiro beijo ou o saber do primeiro título gritado a plenos pulmões, são coisas que o tempo guarda consigo mesmo em caixas que a memória insiste em manter abertas.

o tempo consome, destrói, leva nosso corpo junto e não espera ninguém nem amarrar os cadarços para correr junto. ninguém corre junto do tempo, uma vez que a gente quer para-lo em momentos inesquecíveis ou apagá-lo em outros que queremos esquecer. na verdade ninguém é muito fã do tempo e de como ele é certeiro. esse mensageiro do eterno, funcionário do mês de todos os meses da empresa em que a morte é a chefe suprema, é o pior amigo para se ter e o melhor aliado para se contar, já que ele sempre vai fazer o trabalho dele.

o tempo é implacável, mas cura, faz esquecer, ameniza ou aumenta, depende daquilo que se sente. tem quem trabalhe para ter, outros para comprar, outros para fugir do tempo que tem livre. cada um sabe o que faz com o seu tempo, mas o tempo sabe o que faz com todos.

tem quem busque apaziguar os danos causados por ele com modificações estéticas e de saúde, o que é ótimo. tem quem aceita e se olha no espelho de acordo com o que o relógio diz. tá tudo bem também. todo mundo tem que se sentir bem com o tempo, independente de como vai fazer isso.

me olho feio por talvez não aceitar algumas coisas que não acreditava que ia fazer sentido ou porque me vejo nos erros em cada linha que afunda minha testa e em cada fio branco do cabelo que achava que nunca ia mudar. tudo chega, até o que você evitava chegar.

tudo vai ser feio quando você é uma pessoa feia por dentro, não adianta o que você fizer para mudar isso esteticamente. puxa aqui, estica ali, mas se você não estiver em paz dentro do seu coração, você vai sempre ver aquele que você esconde de você mesmo.

o tempo é a coisa mais preciosa que a gente vai ter na vida e eu perdi muito dele. perdi muito tempo tentando dar atenção pra coisas que não valiam a pena, enquanto esquecia de dar a mesma atenção para mim mesmo, buscando saciar aquilo que me faltava de formas inconscientes e conscientes, botando tudo a perder.

o vício toma conta do tempo, domina o que a gente, sem nem perceber, tenta fazer conosco em momentos que são só nossos. a gente nunca espera que o tempo passe, só que ele volte, para que a gente esconda quem somos de verdade em momentos que fomos cem por cento nós mesmos.

estamos todo tempo tentando camuflar ou esconder quem realmente somos, seja por vergonha, medo, autocrítica ou por termos noção de que é melhor assim. o ser humano nasceu pra ser feio, pois perde a inocência assim que começa a ter noção de que a vida lhe castiga de alguma forma. a gente se corrompe, abraça as coisas mais fúteis sem nem sabermos e só vamos ter noção quando essas mesmas coisas nos estragam a vida porque não soubemos dizer que não precisávamos mais daquilo.

fico tentando imaginar como seria se eu fosse influenciado por outras coisas que não os meus vícios atuais. me pego viajando, sonhando acordado, querendo ser outra pessoa que não consigo ser, esperando que essa nova persona me afague o peito cansado de sentir as dores que a vida me trouxe e que sempre me fizeram sentir menos e procurar mais, de maneira incessante e insaciável, um modo de fazê-las se aquietarem e, quem sabe, sumirem de dentro de mim.

todo excesso é ruim, até o de felicidade.

pode não parecer, mas eu tento, tento muito e sou muito grato pelos pequenos, mas fundamentais, avanços que tive nessa reflexão eterna que é tentar sair do mar de tristeza que é a depressão.

eu só te peço desculpas por, no meio do caminho, afundar tantas vezes e te levar junto em todas elas.

twisted minds begin to behold what’s wrong or right
eyes lighten for me to see hypocrisy your life and I
pity what`s in your heart as the world will bleed
`cause I`d rather die on my feet than live life on my knees

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