in new york concrete jungle where dreams are made of

Filipe Maia
5 min readMar 25, 2024

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a trilha sonora diz que “se eu me fiz aqui, posso me fazer em qualquer lugar”. nunca foi algo que me incomodou ou que me trouxe uma reflexão muito profunda até chegar em nova iorque e conhecer a cidade pela primeira vez.

quando se vira na broadway, indo sentido à times square, muita gente diferente vai de encontro às luzes incessantes que fazem noites parecerem dias e que te apresentam todo tipo de propaganda agressiva dizendo que aquele produto ou serviço é o melhor que você vai ter na sua vida e que você precisa daquilo todos os dias. dizem até que satan leu a bíblia e não a recomendou, dando zero estrelas numa avaliação sincera. dizem que até os ratos precisam de terapia na cidade que não dá mole pra ninguém. dizem até seu próximo apartamento pode ser o de alguém que está prestes a morrer. “nunca se sabe” dizem.

não esperam por nada, te fazem escolher leite de amêndoas sem nem perceber, confundem sua tradução fraca e apressada, que eles mesmos apressam, e te entregam cafés que não foram exatamente o que você escolheu. enquanto você observa prédios com plazas gigantescas e arquiteturas que confundem seu uso, pessoas vão e vem numa rotina diária de quem ali vive, acostumadas com turistas de primeiras, segundas e últimas viagens, vivendo suas vidas sem nem prestar atenção em quem pede por atenção.

um homem entra nu no oitavo vagão de um trem descendo a cidade, pede por casacos ao invés de calças e sai na próxima estação pulando de vagão em vagão tentando se aquecer do frio que fez naqueles dias. ninguém liga, mas ninguém desliga, tendo suas vidas levemente impactadas por doidinhos do metrô, da rua, das calçadas, que permeiam aquela cidade, cantando músicas que ninguém pediu e fazendo danças em praças redondas para garotas de 14 anos. é triste e só triste, mesmo, sem tentar romantizar o absurdo que é o que as grandes cidades fazem com a cabeça das pessoas, levando-as à exaustão em prédios gigantescos que fazem nossa cabeça pensar na perplexidade das estruturas e na fragilidade da nossa vivência, tão grande quando se está em terra, tão pequena quando se olha pra baixo e percebe que é só mais um num emaranhado de casas, trabalhos, comércios, pessoas, doidinhos e milhões de outros adjetivos que habitam o coração de cada canto do planeta.

o que é romântico é vivenciar de forma observadora como as pessoas amam as coisas que lhes fazem ser elas mesmas. amam ser corredoras, amam andar de bicicleta, amam seus bichos de apartamento, amam serem esquisitos. é intenso tentar se aprofundar na vida de cada um pela observação, pensando no que fazem e por que estão ali, naquele lugar, naquele momento. é mais romântico também fazer essa avaliação sentado no banco de um parque no meio da cidade, com árvores em primeiro plano e prédios imensos em segundo, respirando uma vida utópica que a gente só vê em filme e que quer pausar o tempo para grudar na memória e voltar nela sempre que sentir que as coisas não vão bem.

é importante fazer registros.

existe uma beleza imensurável nas pessoas, por mais diferentes que elas sejam. do cantor do parque que traz um pouco de música antiga pra quem ali passeia, ao garotinho que se apaixona pelo soprador de grandes bolhas de sabão, esse mesmo dizendo “essa aqui foi das boas”, quando uma bolha gigante percorre segundos no ar e estoura na frente de algumas pessoas. claro que cada vivência tem sua dose de “poréns”, assim como a nossa tem o grande porém de que estamos mordendo um pequeno pedaço de um bolo que nunca vai ser nosso, por mais que o sabor seja maravilhoso e que queremos mais que só a cobertura. mas estar é poder ter a noção de que aquilo realmente existe e que as reflexões que a gente faz podem ser corroboradas ou totalmente contornadas, uma vez que vimos de perto que muita coisa é só na nossa cabeça, mesmo.

mas essa mesma beleza tem seu poder autodestrutivo, porque da mesma forma que nós ficamos impactados e tentados a viver aquela vida que não nos pertence, fomos cautelosos o suficiente para não nos tornarmos mais uns engolidos pelo sistema que corrompe pessoas do mundo todo em busca de viver o sonho local. na mesma música que abre esse texto, tem um trecho que fala “para os estrangeiros não é justo, eles agem como se esquecessem como agir; oito milhões de vidas, todas elas verdadeiras”, é um relato distante e elitista, mas de certa forma sincero sobre quem não é de lá. não é que as pessoas se esquecem como agir, é que a cidade as faz serem personagens para sobreviver. eles, os locais, esquecem que são todos atores, fazendo caras e bocas em seus mais falsos “oh my god”, buscando um lugar ao sol quando a câmera aponta e sendo os mais audaciosos na hora de furar a fila para o elevador que vai levar todo mundo pro seu andar, passando você na frente dos outros ou não.

o que nos conforta é pensar que temos cabeça no lugar para entender que aquilo não é a gente e que, realmente, a vida não é justa para todos.

nova iorque é um sonho que tem suas partes de pesadelo, fazendo você pensar e repensar, seja da sua vivência ou dos outros, refletindo nas coisas boas sentado no central park, enquanto escorre uma lágrima de bons momentos vividos intensamente, mas sem se esquecer dos sustos no metrô ou das coisas que não são legais em qualquer cidade do mundo.

fizeram músicas, filmes, desenhos, mudaram seu nome, pintaram sua cor, revisitaram seu estilo, criaram em seu legado, botaram-na na capa, apertaram-na tanto que seu suco de vitalidade jorra por todas as ruas, lotadas de pessoas correndo apressadas para sei lá o que, para sei lá onde, vivendo suas importantíssimas existências de formigas atômicas e suas dores de ratos de terapia, enquanto deus e diabo brigam nas publicidades, enquanto os outdoors te fazem se sentir incompleto, enquanto os cachorros são obedientes o suficiente para não atrapalharem os corredores do parque. enquanto a gente vai e vem e fica na sensação de que nunca vamos conhecer por completo essa cidade tão gigante.

eu não posso dizer que não gostei, eu amei, mas sei que uma coisa é estar de férias e outra é viver aquilo todos os dias. também não nego os choros, inclusive o de agora, de pensar que vivi tudo isso com a melhor companhia do mundo e que são momentos que não voltam, mas que ficam para sempre nas nossas memórias. é importante vivê-los e, mais importante ainda, viver com quem se ama.

a alicia keys não parou de cantar na minha primeira visita à nova iorque. e tenho certeza que ela não vai parar tão cedo.

The versatile, honey-sticking wild golden child
Dwelling in the Rotten Apple, you get tackled
Or caught by the devil’s lasso, shit is a hassle

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