trinta

Filipe Maia
5 min readSep 26, 2022

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ritos poéticos rasgam-me as veias por saber que nunca andamos para trás quando o assunto é a devastação que o tempo causa nas nossas vivências. existe uma cultura de pensar que o passado é enriquecedor para o presente e moldador do futuro, mas paro e penso que, aqui e agora, não existe nenhum passado que não seja aquele que a gente se apega o suficiente pra lembrar. o resto é o resto, não necessariamente importante para chamarmos de nosso ou para que seja um molde de nossos futuros eus.

nesse tempo todo, falei mais do que escutei e escutei menos música do que deveria. adoro as que conheci, tenho muitas favoritas, mas sinto que essa jornada, a musical, é uma que nunca iremos ter o gosto de chegar perto de algum desenredo, uma vez que existem coisas novas antigas que nunca nem fazíamos ideia e que conhecemos através das formas mais dissonantes, sem querer fazer uma alusão sonora. fato é que tentei fazer música de várias formas, em vários tons, nem sempre em instrumentos e nem sempre com inspiração o suficiente para serem boas. tentei musificar o movimento circular rotineiro de nossas existências sempre que pude em fones de ouvido que, incessantemente, mudaram de formato e de alcance, uma vez que acompanharam os avanços tecnológicos e os novos reprodutores das músicas que eu chamaria de músicas da minha vida.

a gente se apega às coisas e eu me apeguei a todas elas, de aparelhos de reprodução de música a camisetas que não me serviam mais, uma vez que a gente dificilmente perde quando o assunto é ganhar peso. vi a balança aumentar, diminuir, mas nunca mudar o fato que a gente muda, não só fisicamente, mas de formas que nunca imaginaríamos. a gente fica soft, fica careta, fica com cabelo branco, se vende pro sistema, passa a gostar de artistas de tiozinho, começa a entender significado de músicas que antes a gente achava brega e, dia após dia, deixa nosso eu juvenil cada vez mais puto por ter se tornado senil tão cedo. claro que existe ainda a parte punk que nos move em prol de ideias que, sim, são menos radicais ao peso que as contas batem na nossa porta todo começo ou fim de mês, mas a gente aprende a domar o leão da ideologia e utilizar dessa força para pequenas vitórias diárias, mesmo que seja num copo de café burguês que a gente mente pra si mesmo que mereceu.

ir para frente nesse negócio de tempo é inevitável, mas caminhar começa a ser gratificante quando se aprende a ficar de pé. aprende-se que aquela pressa de correr é tão grande quanto a pressa de viver os dias de folga, já que nem sempre esses vão ser suficientes para compensar toda aquela maratona que a semana nos fez percorrer. mas a gente comprou tênis macios para ser mais duradoura a viagem, para o joelho doer menos e para aproveitarmos enquanto andamos, já que nem sempre sabemos onde queremos chegar. se perder também fez parte de tudo isso e talvez se não nos permitissemos a isso, estaríamos presos aos tênis que nos machucaram a vida toda e, assim, sendo amargos com o mundo pois nossos pés estão doendo mais do que deviam.

mudam-se roupas, mudam-se cheiros, mudam-se casas, mudam-se pessoas, mas aprendi que o que tem que mudar é a forma como a gente se ama, porque muitas vezes a gente não sabe se amar como deveria quando a gente é mais novo. eu não soube, talvez não saiba da melhor forma possível hoje, mas me amo muito mais e acho que é parte da nossa maturidade. a gente odiou tanto o mundo que acabou odiando a nós mesmos, deixando que a gente não se percebesse como deveríamos. é triste ver aquilo que nos permitimos fazer com nós mesmos nos anos de revolta, baixando a guarda para situações que deveriam ser menos importantes do que foram e mais traumatizantes do que deveriam ser. dizem que faz parte do aprendizado e, de fato, nós nunca íamos saber se não vivessemos essas situações, tomando no cu a torto e a direito da vida, pois infelizmente ninguém nasceu herdeiro para ter o mundo aos nossos pés. esse tomar no cu da vida nunca vai acabar, ela vai sempre dar um jeito de carcar por trás toda e qualquer fase de felicidade, mas ter essa noção de que pode dar merda a qualquer momento é também uma forma de estar em paz consigo mesmo e isso só se consegue com o tempo.

não é fácil se permitir e carregar o peso da existência em cortes feitos por navalhas na nossa alma juvenil, assim como não é fácil se reconhecer depois de abandonar a si mesmo em várias batalhas que precisavam da nossa atenção. a gente as perde, ganha outras, vive de forma medíocre tomando bebidas que nos deixam parcialmente alegres nos bares das cidades que respiram enquanto tentamos dormir, buscando formas de se conectar com alguém ou com algo que nos tire da nossa impermeabilidade, nos tornando parte de algo que nos complete em quebras-cabeças que recortamos as peças para que caibam antes que nossa paciência acabe com nossa capacidade de moldar-nos às experiências que a vida nos dá. a gente se precipitou, se magoou, riu e foi feliz muitas vezes que tentamos moldar esses vínculos na cidade.

nessa dança que chamamos de vida, o tempo passa devastando e apressando sonhos, alguns que conquistamos e outros que deixamos pelo caminho, moldando nossos novos, infinitos e cambiáveis seres, deixando-nos mais perto de quem gostaríamos de ser, mesmo que distantes do ideal que nos colocamos enquanto jovens. a gente atravessa ruas, as mesmas ruas que sempre atravessamos, mas cada vez de formas distintas, seja no corte de cabelo ou na gíria falada na época, acreditando que aquela nossa presença, assim como qualquer outra pessoa naquelas milhares que passam pela cidade todos os dias, vai mudar a vida do mundo de formas que ninguém nunca vai compreender.

em todas essas situações, seguimos ouvindo alguma música em algum fone que permeou o espaço-tempo da tecnologia e venceu a solidão com a canção que escolhemos para voltarmos para dentro da nossa alma e sermos para sempre nós.

Advice for the young at heart
Soon we will be older
When we gonna make it work?

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